quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Mais ou menos

Era só mais uma garota assim... Mais ou menos. Nunca chamou muita atenção. Cabelos e olhos castanhos, estatura média e peso normal. Mais ou menos bela, no meio da multidão era totalmente esquecida, passava despercebida.

Tinha também uma ambição mais ou menos. Estudou toda vida no colégio perto de sua casa e na faculdade cursou administração pra seguir os negócios da família.

Suas amizades eram mais ou menos. A cada ano fazia dupla com uma garota qualquer que de cara percebesse que tinha mais ou menos uma afinidade e juntas faziam algumas tarefas escolares.

Até mesmo seu amor era mais ou menos. Namorava seu amigo de infância porque desde pequenos alimentavam esse afeto um pelo outro. Gostava mais ou menos dele.

O que demorou pra ela entender é que a vida não é feita pra ser mais ou menos vivida. Pra sermos apenas mais um na multidão, temos que ser vistos e comentados, elogiados e até mesmo idolatrados.

Temos que ter um sonho a seguir, um projeto de vida. Procurar crescer em todos sentidos. Traçar um caminho de nossa única e exclusiva vontade, indo atrás de um sonho que não foi sonhado por nossos pais, e sim por nós mesmos.

Fazer amizades pra toda a vida. Amigos pra conhecerem nossos extremos, e pra estarem com nós não apenas como colegas que estudam juntos, mas que crescem, confidenciam experiências e compartilham medos. E vivam, ao nosso lado, pra valer.

O amor não é pra ser regado apenas de afeto. É preciso paixão. Frio na barriga e falta de ar. É preciso ir atrás do que te desperte fortes sentimentos e te faça perder os sentidos.

Sem perceber, aquela garota corria o risco de ser mais ou menos feliz. Vivendo apenas coisas mais ou menos ela corria o risco de viver pra sempre uma vidinha mais ou menos. E sinceramente, assim não vale a pena viver.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Observação

Passei uma noite na observação. Era eu quem estava sendo observada, por razões de saúde. Então passei a noite naquela maca, espetada por aquela agulha recebendo aquele soro com minha medicação. Sim os 40ºC de febre uma hora teriam que ceder.

Mas afinal, o que mais foi observado naquela madrugada? Observei todos que chegavam lá, cada qual com suas razões, alguns enfermos do físico, outros da alma.

Nessa mesma noite, descobri que desconhecidos que moram sozinhos podem levar uma pancada na cabeça na porta de casa e acordar apenas 40 minutos depois na casa do vizinho. E mais, ainda tontos e sozinhos se internam usando o crachá do trabalho no lugar da carteirinha e quando acordam e estão de alta, não querem ir embora.

Descobri que mães se aventuram a pé, no meio da noite, desacompanhadas pela rua, pra uma consulta quando se sentem mal. Tudo pra não precisar acordar os filhos.

Descobri que velhinhas de 90 anos, que chegam lá com uma simples diarréia, tem medo de dormir a noite, não fecham os olhos um segundo sequer, esperam o dia pra fazer isso. Teria ela medo de morrer?

Descobri também, que garotas de 21 anos se revoltam com ex-namorados e com o arroz com galinha que a mãe está cozinhando e tentam suicido tomando uma dúzia de remédios faixa preta.

O mundo está enfermo. O homem solitário prefere, mesmo tendo recebido alta, dormir numa maca. Por mais que em casa uma cama confortável o estivesse esperando, era apenas isso, um objeto inanimado, não teria ninguém ansioso a sua espera.

A mãe super-protegendo os filhos se arrisca pela noite, ignorando os perigos e se expondo aos piores riscos. Arriscando-se principalmente a nunca mais voltar a ver os filhos.

A senhora, inquieta, deveria ser ali a que menos temesse a morte, ora, ela já viveu toda sua vida, viveu tudo que podia viver. Mas a verdade é que todos querem uma oportunidade a mais, um dia que seja, de poder fazer aquilo que até agora se propôs a fazer e não fez. Ou talvez ela apenas enxergue a beleza dessa vida e o quão bom é viver.

Mas há também a jovem, que com toda vida pela frente, família, emprego e juventude, mesmo assim, se sinta incompleta, sozinha, e esteja precisando de atenção.

Definitivamente o mundo está enfermo, mas principalmente, enfermo da alma.